sexta-feira, 10 de junho de 2011

A possessao dos espiritos e reintegracao pos guerra em Mocambique

Por: Constancio Pereira Novinho Nhantumbo



1- Itrodução
Durante muito tempo a tradição era vista como sendo o oposto da modernidade, no sentido de a primeira representar o conservadorismo (estático e reticente a Mudanças), enquanto que a segunda representava o dinamismo (variável), cienticidade, racionalismo e característico de sociedades ocidentais.

No sul de Moçambique, o espírito e o indivíduo não são vistos como entidades totalmente á parte uma a outra, mas sim como agentes que vivem interligados adaptando-se um ao outro (sendo que o indivíduo é possuido pelo espírito) e formando conjuntamemnte a essência da identidade humana.

A possessão do indivíduo pelos espíritos permite que o mesmo adopte múltiplas identidades que lhe são transmitidas, e possibilita um melhor enquadramento nas áreas políticas, ssocial e económica do contexto em que vive. Este fenómeno não se aplica somente a indivíduos , mas também a organizações, como foi o caso dos partidos políticos FRELIMO e RENAMO que precisaram de assumir ideologias que sustentassem as crenças e práticas de posse pelos espíritos, como maneira de conquistar a aceitação popular.

O apaziguamento dos Espíritos: a Reintegração Pós-Guerra
Após o período de Guerra ( de libertação e em seguida civil), chegou a altura de a comunidade reconstruir a vida e recuperar-se dos danos causados pela mesma; voltar para as suas aldeias, reconstruí-las e trazer a normalidade de volta ao seio da comunidade. No entanto, para além, de os danos materiais terem sido muito grandes, muitas pessoas tinham sofrido grandes danos também a nível psicológico por terem vivido situações traumáticas ao longo da guerra ( como raptos, torturas, assistir a morte de pessoas próximas) e precisavam de ajuda especial para se reintegrar nas comunidades em que viviam. Para isso, as instituições tradicionais realizavam um papel muito importante e acreditava-se que era essencial realizar os chamados rituais de purificação que por sua vez permitiram recuperar a paz, ordem e restabelecer o equilíbrio retirado pela guerra.


2. Os fundamentos Teóricos
Com base na leitura efectuada entre os dois textos, pode-se afirmar que o fenómeno psicológico patente ou referido, trata-se de possessão pelos espiritos, após o termino do último conflito armado, havido em Moçambique entre a Frelimo e a Renamo, o que mais tarde trouxe a população os distúrbios pós-traumáticos..
Importa realçar que nessa guerra civil que deflagrou o país, houve o recrutamento de crianças soldados para as fileiras da guerra.
De cordo com Cabral (2005/6), “conflito armado pós‑independência não foi o primeiro conflito violento enfrentado pelos colectivos sociais Moçambicanos. Estes já haviam desenvolvido quadros morais e valorativos sobre o acto da Guerra e estratégias de sobrevivência ao mesmo. Durante o conflito armado, tanto as facções armadas como a sociedade civil recorreram a certos elementos da cultura tradicional: as primeiras como táctica de guerra, e a última como sobrevivência física e espiritual (Vines, 1991; Geffray, 1991)”.
Para o mesmo autor, após o O cordo Gerald a Paz (AGP), a população continuou a servir-se de recursos culturais, para se enquadrar no novo projecto de socialização não violenta e sustenta-lo face ao passado (Errante, 1999). A sociedade constrói modelos com os quais possa dar significado à sua existência no mundo e aos eventos que atravessa, produzindo todo um quadro de referências e orientação. Os diversos modelos da sociedade moçambicana têm em comum a concepção da existência de um relacionamento social íntimo e permanente entre os humanos vivos e os espíritos dos humanos mortos, e a concepção derivada de que é através da manutenção estável e harmoniosa desta relação que se mantém a harmonia – ou a ‘normalidade’ – no mundo dos vivos. Para o autor Lewis (1986) citado por Honwana (2002), considerava que a possessão pelos espíritos podia ser feita em duas modalidades: periférica- em que individuos de camadas marginalizadas da sociedade são possuidos pelos espíritos, permitindo que os primeiros se possam exprimir e ser aceites durante o período de transe em que o espírito se torna responsável por todas as suas acções, ocorrendo mais frequentemente em mulheres.


3.A possessão pelos agentes espirituais de acordo comas duas abordagens”
a) Psicologia Moderna e b) a cultura Moçambicana
Em primeirio lugar é necessário esclarecer que o fenómeno de possessão pelos espíritos pode ser entendido como “ a entrada de uma alma externa no corpo de um indivíduo, apoderando-se da sua personalidade e das suas acções” (Honwana, 2002).
Para a Psicologia moderna trata-se de um fenómeno de condição pós-traumática, em que os individuos possuidos são muitas das vez, os que foram integrados no conflito, dai que recorre-se a aplicação de um processo terapêutico ocidental, isto é a biomedicina, ao mesmo tempo afastando a possibilidade de se ajudar o indivíduo com o uso da medicina tradicional
E no que concerne a nossa cultura moçambicana, segundo Granjo (2007), concorda, contudo, com João Paulo Borges Coelho (id., ibid.) quando afirma que a reintegração social não deverá ser medida pela sua correspondência a padrões económicos abstractamente desejáveis, mas pela semelhança entre a situação dos veteranos e a dos seus vizinhos, a par da sua aceitação pública enquanto pessoas «como as outras».
Dessa perspectiva, conforme se pode observar casuisticamente e este último autor demonstra em termos quantitativos, a reintegração obtida é de facto notável e justifica a nossa reflexão. Pretendo sugerir no presente artigo que, após uma guerra tão traumática, essa rápida reintegração dos veteranos não pode ser compreendida sem tomar em conta a eficácia social dos rituais de limpeza a que foram submetidos, ou o sólido ancoramento destes nas lógicas de interpretação do infortúnio que são predominantes na região. De entre aqueles que têm recebido essa designação, os ritos públicos envolvendo toda a aldeia — ou o círculo de relações do veterano — já foram objecto de algumas descrições e análises, pelo que não constituirão o centro da minha abordagem.
Em Moçambique, os ensinamentos as opiniões, os valores passados peloss anciãos são os mais importantes, e são os mesmos que gerem e controlam todos os aspectos da vida tradicional da comunidade. Assim sendo, quando morrem, acredita-se que os seus espíritos continuam ainda ligados ao mundo dos vivos, orientando-se e controlando-os.
Estes espíritos são chamados Suikwembos, que tem poder de alterar para o bem ou para o mal a vida dos seus descendentes e de melhorar ou piorar as condições em que estes vivem.
Da fusão dos três povos, resultou na criação de um novo praticante da medicina tradicional chamado Nyamussoro (Advinho e ervanário), que possui conhecimento transmitido pelos espíritos dos antepassados através da possessão e tem como funções a advinhação através do transe e dos ossículos, o exorcismo e a cura de doenças através de plantas medicinais, ou seja detém o poder e conhecimento necessário para ajudar as pessoas a resolver os seus problemase devolver-lhes a tranquilidade e o equilíbrio.


4.A base Cultural da Saúde e da Doença (possessão dos espíritos)
O tratamento cultural moçambicano deste fenómeno
Concebe-se que a principal função do nyamussoro é ajudar os membros da comunidade alacançar o equilíbrio em termos sociais, físicos e psicológicos, ou seja numa dimensão Bio- psico-social. A advinhação centra-se em deslindar quais as causas que estão por detrás dos problemas do indivíduo, sob o ponto de vista da tradição no contexto africano ( conretamente aqui no sul de Moçambique).
Para Cabral (2005/6), durante a guerra, causas ‘espirituais’ como o abandono da protecção dos espíritos ancestrais e a contaminação por espíritos estranhos foram popularmente apontadas como estando por detrás da violência. Após os acordos de paz em 1992, uma das grandes prioridades das famílias – mesmo antes da estabilização material – foi a harmonização das relações com os espíritos ancestrais, e ‘purificação’ dos indivíduos e dos espaços físicos afectados pelo conflito (Honwana, 2002; Vines, 1991).
Por ser capaz de curar a possessão pelos espíritos, o nyamussoro tornou‑se uma figura particularmente importante da reintegração social dos combatentes do conflito armado moçambicano. Para exorcizar, o nyamussoro tem antes de diagnosticar (os contornos concretos do problema) e adivinhar (identificar o(s) espírito(s) por detrás do problema e as suas exigências). A cura ocorre através da execução de rituais de purificação ou kuhlapsa e rituais de exorcismo ou kufemba, que podem ser complementados por rituais secundários e remédios ervanários, que no seu conjunto servem para “endireitar” a vida e o comportamento social do paciente. O ritual de purificação kuhlapsa tem a capacidade de identificar os espíritos possuidores e fazê‑los abandonar o hospedeiro, curando a doença. Pela forma e pelo propósito o kuhlapsa assemelha‑se a um ritual de passagem, pois descarta uma identidade problemática para construir uma outra identidade nao‑problematica. Mas na função o kuhlapsa produz muito mais do que uma passagem. É um ritual de reequilíbrio social, espaço de cura física e simbólica, domínio de reabilitação, reconstrução identitária, reintegração, e reconciliação. O kuhlapsa não serve apenas para curar, serve também para prevenir o potencial de doença ou ‘azar’ trazido da guerra. O ‘azar’ da possessão é uma consequência potencial, mas não inevitável, da experiência de guerra. Concebe‑se que os indivíduos que durante a guerra mataram ou ajudaram


5. Reflexão Crítica e recomendações
Após a revisão ou melhor a leitura dos textos oferecidos pelos docentes da cadeira de Perspectivas Africanas de Fenémenos Psicológicos, foi possível ter uma visão mais esclarecedora daquilo que significa a possessão pelos espíritos no seio dos moçambicanos, a reintegração das crianças-soldado no período pós-guerra, bem como a importância dos espíritos dos antepassados no alcance do bem- estar e equilíbrio em todas as áreas da vida. Desta maneira, espírito e indivíduo aprendem a coexistir como uma única identidade adapatando-se e acomodando-se um a de outro. Os espíritos possuidos são chamados de Tinyanga e servem de mediadores entre oss vivos e os antepassados. Assim, Recomenda-se que a força da tradição e todas as práticas com ela relacionadas, não se pode tirar o indivíduo as suas crenças e os seus valores, pois sem eles, sem ter em que acreditar, em que basear a sua interpretação para todos os fenómenos que ocorrem na sua vida e que o indivíduo é aquilo que seu meio e cultura fazem dele, pois neste caso esse caso está representado. Contudo, pode-se afirmar que não se pode deixar de lado aquilo que são práticas da medicina tradicional e a biomedicina, pois ambas ciências complementam-se.
E para a cura deste fenómeno, pode-se recorrer ao uso da terapia centrada na pessoa, onde o indivíduo vai relatar tudo o que tem, visto que a solução estará centrada no indivíduo.



Referência Bibliográfica

Granjo, P (2007). Limpeza ritual e reintegração pós-guerra em Moçambique, an’alise social, vol. XLII (182), 123-144.
Cabral, I (2005/6). Digerir o passado: rituais de purificação e reintegração social de crianças- soldado no sul de Moçambique, Antropologia portuguesa 2/23,:133-156.
HONWANA, A. (2002). Espíritos Vivos, Tradições Modernas. Possessão de Espíritos e Reintegração Social Pós- Guerra no Sul de Moçambique. Promédia. Maputo.
NB: Para o uso deste manual foi a través das passagens textuais citadas nos dois textos oferecidos sob o formado electrónico e acessado na net.
1.http://www.uc.pt/en/cia/publica/ap%20artigos/Ap22.23.06%20cabral.pdf
2. http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aso/n182/n182a06.pdf

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